terça-feira, 6 de outubro de 2020

PODERIA HAVER VIDA À BEIRA DE UM BURACO NEGRO??

Seria possível haver vida em torno de um buraco negro?

  • Colin Stuart
  • BBC Science Focus
06/10/2020
Desenho de luz em torno de um buraco negro.
Legenda da foto,

Pesquisa recente desenhou vários cenários nos quais a vida ao redor de um buraco negro poderia ser viável

A Terra está com problemas. Safras morrendo e tempestades de poeira mortais estão colocando o planeta sob tensão, deixando a raça humana com grande necessidade de um novo lar.

Em uma tentativa desesperada de encontrar esse novo lar, uma equipe de bravos astronautas liderados por Joseph Cooper se aventuram em um buraco de minhoca perto de Saturno, emergindo a anos-luz de distância em Miller, um planeta oceânico orbitando um buraco negro supermassivo conhecido como Gargantua.

Essa é a trama do filme Interestelar, de 2014. No entanto, de acordo com pesquisas recentes, essa ideia pode não ser tão rebuscada quanto parece à primeira vista.

A capacidade de localizar outros planetas no espaço teve um progresso impressionante no último quarto de século. Agora sabemos da existência de mais de 4 mil exoplanetas — mundos além do nosso Sistema Solar orbitando estrelas distantes.

Anne Hathaway e Matthew McConaughey
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Os atores Anne Hathaway e Matthew McConaughey estrelaram o filme de ficção científica 'Interstelar' em 2014

Para aqueles que procuram vida extraterrestre, a sabedoria convencional diz que devemos procurar uma Terra 2.0: um planeta como o nosso, orbitando a uma distância segura de uma estrela semelhante ao Sol. Só aí encontraremos o que a vida precisa: água.

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Ao contrário das estrelas, os buracos negros são vistos como arautos de morte e destruição. O Prêmio Nobel de Física 2020, anunciado nesta terça-feira (6/10), premiou três cientistas com pesquisas sobre buracos negros, um lugar no espaço onde a gravidade é tão forte que nem a luz consegue escapar.

Os vencedores, Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez, dividirão o valor de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,3 milhões), conforme anunciou a Academia Real das Ciências da Suécia.

Mesmo antes de o tema ganhar destaque no Nobel, o que a ciência já sabia era que os buracos negros se formam quando grandes estrelas morrem e sua atração gravitacional é tão extrema que agem como gigantescas portas cósmicas. Caia lá e você será dilacerado sem chance de fuga. Isso dificilmente parece ser o cenário ideal para o desenvolvimento da vida, mas será que estamos deixando de ver algo?

Planetas de buracos negros

Keiichi Wada, do Observatório Astronômico Nacional do Japão, pensa que sim. Ele trabalha com a física de buracos negros, mas se juntou a colegas que pesquisam a formação de planetas para ver se a ideia é plausível.

Ilustração de possível exoplaneta
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Agora sabemos da existência de mais de 4 mil exoplanetas

"Os dois campos (formação de planetas e buracos negros) são tão diferentes que geralmente não há interação entre eles", diz Wada.

Agora eles começaram a mudar isso combinando seus conhecimentos para modelar a formação de planetas em torno de buracos negros supermassivos, assim como Gargantua, no filme Interestelar.

Os planetas se formam ao redor das estrelas quando a gravidade começa a reunir grãos de poeira em pequenas bolas, que então colidem gradualmente entre si para formar objetos cada vez maiores.

Wada e sua equipe queriam descobrir se isso poderia acontecer em torno de um buraco negro.

Sistema solar
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Os planetas se formam ao redor das estrelas quando a gravidade começa a coletar grãos de poeira e os une em pequenas bolas

O modelo deles, publicado em novembro de 2019, mostra que a distâncias suficientes do buraco negro (pelo menos 10 anos-luz), o ambiente gravitacional é estável o suficiente para os planetas se formarem da mesma forma que em torno de estrelas como o nosso Sol .

"Este é o primeiro estudo que abre a possibilidade de formação direta de objetos semelhantes a planetas em torno de buracos negros supermassivos", diz Wada. "Esperamos mais de 10 mil planetas em torno de um buraco negro supermassivo porque a quantidade total de poeira lá é enorme."

Isso é muito espaço cósmico inexplorado.

Os planetas podem potencialmente se formar em torno de buracos negros, mas isso não é garantia de que eles ofereçam um ambiente favorável à vida. Na Terra, os seres vivos são extremamente dependentes da luz e do calor do Sol para sobreviver. Sem o brilho de uma estrela, a vida ao redor de um buraco negro provavelmente precisaria de uma fonte alternativa de energia.

Sol sobre campo de girassol
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Os seres vivos precisam do calor do Sol para sobreviver

Felizmente, é provável que isso não seja tão difícil de acontecer. De acordo com um artigo publicado por Jeremy Schnittman, da agência espacial dos Estados Unidos, NASA, em outubro de 2019, uma característica de muitos buracos negros — o disco de acreção — poderia representar o sol.

O disco de acreção é uma faixa plana de material enfileirado ao redor do buraco negro, esperando para ser devorado. À medida que o material desce em espiral para a desintegração, ele acaba viajando incrivelmente rápido e emite grandes quantidades de energia antes de desaparecer além do ponto sem retorno.

"Todos os buracos negros que conhecemos têm discos de acreção e são incrivelmente brilhantes", diz Schnittman.

De acordo com seus cálculos, com um planeta à distância certa do buraco negro, o disco de acreção teria o mesmo tamanho e brilho que o Sol em nosso céu. "Seria muito semelhante ao nosso Sistema Solar", diz ele.

O céu diurno em tal planeta poderia ser familiar, mas o céu noturno não seria nada disso. Os centros das galáxias onde geralmente residem buracos negros supermassivos estão tão abarrotados de estrelas que, de acordo com Schnittman, o céu noturno seria 100 mil vezes mais brilhante que o nosso.

No entanto, essas estrelas não estão bem espalhadas pelos céus. A gravidade do buraco negro acelera o planeta a velocidades tão elevadas que a luz das estrelas parece vir de um único ponto à sua frente que é menor que o Sol.

"É como dirigir na chuva", diz Schnittman. Imagine uma nave espacial atingindo velocidade máxima em um filme de ficção científica. "Certamente seria espetacular."

Ilustração de integração de matéria
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Os buracos negros fazem com que o disco de acreção gire em torno deles muito rápido antes de ser devorado

Há um problema, entretanto, com um planeta sendo aquecido por um disco de acreção. "Eles emitem muito mais radiação ultravioleta e de raios-X do que o Sol", diz Schnittman. Esse tipo de radiação poderia potencialmente esterilizar um planeta habitável. "Você precisaria de uma atmosfera nublada para bloqueá-lo", acrescenta.

Mas isso não é impossível, dado o que já sabemos sobre os exoplanetas que encontramos orbitando outras estrelas. "Atmosferas densas e nebulosas parecem ser bastante comuns", diz ele. Então é possível que haja sobrevivência a essa radiação dessa forma, tendo algo equivalente a um dia quente e úmido constante aqui na Terra.

Luz de um buraco negro

Considerando esses perigos e restrições, pode haver uma maneira mais segura de aquecer mundos ao redor dos buracos negros: a energia que sobrou do Big Bang. Os astrônomos a chamam de radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB, na sigla em inglês), e foi liberada cerca de 380 mil anos após a criação do cosmos.

Ilustração de uma implosão de estrela